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Barulhos

  • Foto do escritor: Cleiton Zirke
    Cleiton Zirke
  • 11 de out. de 2019
  • 3 min de leitura

Uma mariposa me acordou. O som da água enchendo a caixa, também. Tinha sono, mas despertei. Adormeci ouvindo músicas tristes. Faziam um bom eco aos sons que vibravam por entre meus pensamentos. Meio tristes. Então, ouvi. Fortes, estridentes. Eloquentes. Quase ensurdecedores. Reclamavam para si toda a minha atenção. E aí foram eles que não me deixaram dormir. Meus barulhos de dentro. Fiquei pensando sobre esses barulhos, os de fora da pele e os de dentro da pele. São sonoridades diferentes. Os de fora, de uma verdadeira ordem sonora: ondas que se propagam no espaço-tempo. As vezes, bem organizadinhos, recebem até nome: música. A música desta madrugada insone teve a melodia do bater das asas da pequena mariposa (que eu matei, sinto vergonha disso agora. Atualização: ela não morreu, pude colocá-la na janela pela manhã) e backing vocal de notas aquáticas. Já os sons de dentro da pele...bem, esses parecem ser possuidores de outras qualidades e propriedades. Não são ouvidos pelos ouvidos. Para os sons de dentro, as orelhas são inúteis. Mas o que eles são? São pensamentos, sensações, imagens, memórias, (as vezes até memórias de sons), afetos. E eles têm a sua sonoridade peculiar. A tônica emotiva é variável, tanto quanto o é o andamento. Lembro agora que antes de adormecer a tristezinha que sentia tomou o jeito de uma dorzinha no peito. Assim mesmo, com diminutivos, eram pequeninas, mas sensíveis. E a partir disso, a música dos sons de dentro, desta madrugada, se fez soar com notas de abandono, falta, incompreensão, e muitas perguntas, muitos por quês. Altearam-se, com movimentos intensos e expressivos, tão contrastantes com o silêncio exterior que agora se faz presente. Dois mundos divididos por uma fina camada de pele. Logo, esse mundo de fora vai despertar. Talvez esse mundo de dentro adormeça, novamente. O silêncio é uma coisa macia. Faria bem a essa pele, que divide e conecta dois mundos, que fosse macio pelo lado de fora e pelo lado de dentro, pelo menos por algumas horas. Esse texto foi escrito em uma madrugada insone. Desde criança, dormi menos que quase todas as outras pessoas que conheço. Hoje sei que há diferentes padrões e necessidades de horas de sono. Quando algo não vai bem na minha vida, uma das primeiras coisas que se altera é a qualidade e a quantidade das horas de sono. Aí se coloca mais uma questão: a preocupação com o dia seguinte. E é uma preocupação justa: quando o período de sono se altera, ocorrem alterações fisiológicas, que geralmente resultam em alteração de humor, diminuição da atenção, fadiga. Aprendi duas coisas: estar passivo diante da insônia, no sentido de aceitá-la e, porque não?, ocupar o tempo acordado com atividades prazerosas. Para mim, escrever é prazeroso. As vezes atualizo minhas séries e filmes. Leio. E bem ao estilo da intenção paradoxal que Viktor Frankl apresenta na Logoterapia, tentar ficar acordado me ajuda a adormecer. O segundo aprendizado é recente, e diz respeito a me autorizar a demonstrar minhas vulnerabilidades, e talvez fazer delas instrumentos para ampliar a potência dos encontros psicoterapêuticos. Então, pelo menos na perspectiva clínica gestáltica, não preciso sustentar algum semblante, nem esconder traços da minha humanidade. Pelo contrário: clínico e consulente se encontram em suas humanidades, precárias, as vezes fragilizadas, tantas vezes e de tão diferentes formas, vulnerabilizadas. É por esses poros e buracos que aquilo que se mostra do outro pode fazer em mim afecções. E de maneira tão real quanto possível, com a inteireza de si no encontro do outro, o clínico gestáltico pode acolher o que se apresenta, cuidar das formas (Gestalten, aquele estranho que em nós habita) e provocar ou acompanhar desvios, ensaios de um jeito novo de ser e viver. O ambiente da sessão psicoterapêutica oferece segurança e suporte para arriscar-se ao novo e reinventar-se. E talvez (e por que não?) ter menos noites insones.

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