Lições simples sobre os pássaros
- Cleiton Zirke
- 11 de out. de 2019
- 3 min de leitura

Nas últimas vezes que voltei a Brusque, minha cidade natal e casa por 35 anos e alguns meses, me deixei ser ensinado pela simplicidade. Porque cada coisa tem seu próprio saber, e ensina a quem se dispõe a compreender a linguagem além das palavras. Há que se ter respeito pelos discursos das coisas, há que se olhar e se ouvir com disponibilidade e atenção. O mesmo vale para as pessoas. Talvez eu esteja participando das cenas domésticas e familiares de outra forma, estando em lugar de um certo estrangeirismo, o que acentua a importância de quando estou perto e junto. Meus pais se organizaram de forma a incluir a sustentabilidade na sua rotina: há espaço para lixo orgânico e compostagem, materiais recicláveis são coletados e vendidos, lacres e tampas de latinhas e garrafas são coletados e doados para ONG's de proteção aos animais (isso me enche de orgulho e me serve de exemplo). E também os pássaros são alimentados com frutas, e são deixados livres. Isso atrai lindos pássaros e enche o jardim de cores e de cantos. Notamos mais cantoria e agitação nos fundos da casa, e meu pai explicou que não daria mais frutas para os pássaros. Minha primeira reação, automática, foi condenar e logo disparei um "Kika, seu ruim!" Aí a lição veio: "Eles já estão ganhando comida há quatro meses seguidos. Ruim eu seria se continuasse dando. Eles não iriam aprender a buscar alimento na natureza, por conta própria, e acabariam morrendo". Para o meu pai, Kika, o fornecimento de comida deveria ser interrompido para que capacidades importantes de sobrevivência pudessem se desenvolver. Essa rápida conversa, ao som do canto de pássaros esfomeados, me fez pensar sobre o quanto é desafior, nas nossas relações (inclusive nas relações clínicas), quando necessário e pertinente, ocupar o lugar de quem não dá o alimento. Também pensei sobre compreender atitudes e gestos que à primeira vista podem parecer omissões, mas abrem o espaço necessário ao desenvolvimento. Sobre como o crescimento vem diante do novo, dos desafios que demandam novas formas de se ser: ser eu de outro jeito, me (re)descobrir em movimentos de ampliação e transformação diante de frustrações, de faltas, de buracos, de vazios. É como se aí fôssemos mais nós, ou como se aquilo que somos se manifestasse com mais intensidade. O núcleo duro do arcabouço teórico da Gestalt-terapia, a saber, a teoria do self, dá lastro para compreender os ajustamentos realizados entre clínico e consulente em contexto psicoterapêutico. O self, nosso sistema de contatos no presente transiente, diminui durante o sono (quando comumente não há novidades) e manifesta-se com mais intensidade e proeminência diante daquilo que se apresenta como novidade e demanda articulações no campo organismo-meio para realizar ajustamentos criadores e buscar o estado de equilíbrio, viabilizar sua continuidade e crescer. Nesse sentido, estar diante do novo faz com que eu me experimente mais como eu mesmo, e, por que não, também faz com que eu me surpreenda comigo, e seja aquela (e) que descobri poder ser, aquela (e) em quem me transformo quando desafiada (o), retendo o fundo das minhas vivências históricas que me subsidia na continuidade de mim mesmo. As vezes é necessário que se dê comida aos pássaros (às pessoas, sempre). As vezes é necessário que se dê espaço para atuar diante do que é novo.
Commentaires