Os quatro compromissos clínicos
- Cleiton Zirke
- 18 de nov. de 2019
- 3 min de leitura

O exercício da clínica em Psicologia, no sentido de clinamen (o elemento desviante), demanda constante reflexão, afim de manter sua pertinência e relevância diante da pessoa e das suas formas de sofrer e transcender-se. Penso que, diante daquelas e daqueles que demandam atenção psicológica, o cuidado oferecido pelas psicólogas e psicólogos deve pautar-se em, no mínimo, quatro compromissos: a ética, o sigilo, o lugar, e o respeito. Exponho, em seguida, minha compreensão de cada uma destas dimensões do fazer clínico.

A ética pode ser desdobrada em duas grandes vertentes, complementares e não contraditórias: a ética enquanto dispositivo formal de uma profissão com determinado lugar social, e a ética sob a ótica gestáltica. A primeira encontra-se materializada em um documento, o Código de Ética da Psicologia, contempla direcionamentos e orientações para que as intervenções psicológicas respeitem valores e direitos humanos. Seus princípios fundamentais, nesse sentido, constituem os pilares dos quais se derivam norteadores para a prática profissional. Já a ética gestáltica contempla uma determinada postura clínica, estreitamente relacionada a abertura e acolhimento daquilo que se mostra (êthos): duas humanidades, autênticas, abrigadas na segurança do setting terapêutico, podem ter encontro e transformação.

Neste encontro, que não raramente acontece mais de uma vez, ao longo de um tempo determinado, clínico e consulente caminham juntos na elaboração das questões deste último. O espaço das sessões psicoterapêuticas realizadas deve ser protegido, visando oferecer a segurança necessária para a emergência do que quer que seja: medos, vergonhas, segredos, traumas e quaisquer experiências que ali sejam compartilhadas. O clínico compromete-se a respeitar esses conteúdos, abstendo-se de tratar dessas questões fora da sessão. Isso oferece ao consulente uma certa liberdade na expressão de suas questões, cujo sigilo encontra-se respaldado no fazer clínico ético do psicólogo. As possibilidades de quebra do sigilo profissional encontram-se amparadas por resoluções do Conselho Federal de Psicologia, e dizem respeito a situações delimitadas e circunscritas.

Os efeitos de receber atenção psicológica estendem-se, temporal e espacialmente, para além da sessão. O tempo em sessão é um recorte, limitado, das experiências vividas tanto pelo clínico quanto pelo consulente. Compreendo que o ato de marcar uma consulta e ali comparecer já pode ser visto como um processo em andamento, antes mesmo que o consulente esteja diante do clínico a primeira vez. De forma semelhante, após as sessões, muitas vezes munido de um novo saber sobre si, os consulentes realizam movimentos (para além de apenas pensar ou falar) que ecoam temas e questões tratados em contexto clínico, e reconfiguram sua forma de estar no mundo e nas relações. Considerando a psicoterapia a partir dessa perspectiva, cabe ao clínico, minimamente, ocupar um lugar determinado nesse percurso dos seus consulentes, lugar de quem não atrapalha um processo já em andamento; mas que, pelo contrário, esteja ao lado ou atrás nessa caminhada, respeitando o tempo de cada uma e cada um lidar com suas questões; as vezes, construindo novas formas e possibilidades.

Nesta relação clínica, tão específica e singular, na qual o respeito materializa-se no acolhimento e abertura ao que semostra, o clínico oportuniza ao consulente apropriar-se daquilo que ele pode descobrir sobre si mesmo. É um saber construído ao longo dos atendimentos e intervenções, do qual o consulente pode ou não apropriar-se. Esse saber pode ser construído, exatamente, pela postura que o clínico ocupa, na qual a vinculação se dá de forma diferente do que nas outras relações interpessoais. O clínico está em outro lugar, que lhe foi concedido pelo consulente, e a partir desse lugar pode intervir, lastreado por uma abordagem teórica que subsidia a compreensão de pessoa, de mundo, dos fenômenos psicológicos, do manejo clínico e das técnicas utilizadas. Ainda que seja uma pessoa como as outras pessoas, imerso na sua condição humana, o clínico compromete-se a não estar diante do consulente como qualquer pessoa. Contudo, está comprometido com disponibilidade e abertura para acompanhar os movimentos de seus consulentes, não atrapalhar o seu processo, atuar ética e respeitosamente.
Comments