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A véspera

  • Foto do escritor: Cleiton Zirke
    Cleiton Zirke
  • 11 de out. de 2019
  • 2 min de leitura

Mais fácil é cantar a dor do que cantar o amor. O amor, recolhido no colo, contido no abraço; a dor, derramada no choro. Dize-me das tuas lágrimas, do teu peito ofegante, dos teus medos que da escuridão são filhos. As trágicas desesperanças que te vem visitar irmãs gêmeas do desespero, roubam-te o sono. Pela porta aberta do teu olho assustado vês o fogo azul do desassossego. Beijam teu pescoço as labaredas incandescentes, Poucas, fracas, leves, frágeis cinzas pairam suspensas no arredor da tua cama, presas por fios, tênues e finos fios. Conta-me dos dias outrora felizes que viveste como se vive quando se sonha, da tua saudade daquelas coisas das fotos embotadas. Quiseras viajar pelo tempo e ficar preso no relicário crepuscular de tudo o que já foi. Tua mão estendida com dedo em riste aponta no espelho teu reflexo irreconhecido, turvos olhos marejados por água pesada e salobra. Fala-me daquilo tudo que poderia ter sido, mas não olha dentro dos meus olhos. Canta com rima teus arrependimentos todos, teus pecados e castigos, teus crimes. Anuncia a devassidão que mutilou o brilho dos teus olhos, olhos opacos vítreos para os quais já não há mais fulgor pungente. Também eu te viro minhas costas e nem sabes que chorarei pelo irrealizado. Foge do agora, que te machuca. Não deixa que transpasse teus filhos gerados no teu seio quando na chuva fria banhavas tuas roupas sujas e dançavas tua lúgubre loucura. Corre, atravessa a ponte suspensa deixada por amigo teu, amarrada em cima daquele abismo que tu ouves e que tu vês. Abismo com cheiro de sal e vento, abismo das tuas impossibilidades e das ausências cegas. Vem te esconder comigo naquele nosso lugar. E, por enquanto, vamos fingir. As máscaras estão ali em cima da mesa. E nos esquecimentos nos iremos lembrar daquelas folhas secas arrastando-se pelo chão de madeira, banhadas pela luz amarelo pálida. Lembraremos daqueles dias quando comparávamos nossos céus para ver qual era o mais azul. E, iludidos, não podíamos saber que aquela era a véspera, o último dos dias. Não tínhamos nos despedido de tudo o que para sempre teria terminado, de uma vez por todas as outras vezes.

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